Governança de crise é para profissionais

“Vidas são valiosas demais para serem objetos de inexperiência, vaidade, poder e ambição.”

Por Ingo Plöger.
Empresário, conselheiro presidente do Conselho Empresarial da América Latina – CEAL.

Lideranças experientes ao serem convocadas nestas situações podem fazer toda a diferença na qualidade da superação.

Dificilmente quem está na liderança de organizações está preparado para enfrentar catástrofes gigantescas. Quando acontece uma crise, rapidamente os profissionais com experiência em gestão de crise se distinguem da maioria de amadores no tema. É a experiência prática, pautada em técnica, que traz as melhores respostas.

Segundo especialistas de gerenciamento de catástrofes gigantescas, nos primeiros momentos se instala o caos, pois a surpresa e a proporção da implosão de diversos fatores colocam a situação em tal anormalidade que tira do gestor a habilidade de saber o que fazer. Em catástrofes como as causadas pelo furacão Katrina (que vitimou mais de 1.800 pessoa) e o tsunami no Oceano Índico (que vitimou quase 228 mil pessoas, 170 mil só na Indonésia), o tempo do caos durou dias.

As catástrofes gigantescas passam por quatro estágios: 1. Caos, 2. Emergência, 3. Urgência e 4. Prioridade. O gestor precisa passar pelas duas primeiras fases o mais rápido possível e sair da fase do caos (que sempre existirá) em alguns poucos dias.

A fase de emergência, dependendo dos impactos e da dimensão da crise, pode levar entre duas a quatro semanas, enquanto a urgência pode levar entre um a três meses para entrar na fase de prioridade. No total, as gestões de crise de catástrofes gigantescas podem levar até 24 meses.

Enfrentar uma catástrofe gigantesca requer do gestor responsável alta capacidade de liderança, resiliência e, sobretudo, humildade em reconhecer que sozinho não resolverá nada, mas que por sua liderança saberá juntar as melhores forças para superar todas as fases. Talvez a humildade de reconhecer a sua impotência perante estas forças seja o mais importante para compor sua melhor equipe de crise.

Como na fase do caos se perde a orientação e a noção da sequência das prioridades, é fundamental trazer para a equipe personalidades que já atuaram em gestão de crise em outra catástrofe. Muitas vezes se encontram estas personalidades não próximas de si, mas nas diversas organizações da Defesa Civil, de países ou regiões.

Lideranças experientes ao serem convocadas nestas situações podem fazer toda a diferença na qualidade da superação. Eles já passaram por isto, possuem vivência prática, são treinados e preparados para as mais variadas circunstâncias e situações. São poucos os que já enfrentaram catástrofes gigantescas e, na maioria das vezes, estão alocados em organizações internacionais ou em países onde tornados, terremotos, tsunamis, enchentes, incêndios e desmoronamentos são frequentes.

Um “prático de crise” poderá orientar com precisão as primeiras providências para sair do caos e entrar no circuito da emergência. Se esta fase demorar muito, os sintomas de exaustão e de decisões não eficientes se tornam frequentes e os questionamentos sobre o gestor aumentam, colocando sua legitimidade em xeque. O “prático da crise” organizará imediatamente o sistema de informações no “situation room”, segmentará as áreas de risco em “clusters” com lideranças para atender em três turnos diários as ações locais. Pelos clusters, organizará a logística de comunicação e dará tração e provimento para salvar, alocar e atender emergências de saúde. Ainda na fase de emergência, é preciso convocar as forças necessárias (nacionais ou internacionais) para a passagem da emergência para a urgência.

A mobilidade civil, importantíssima na fase de emergência, precisa ser organizada passo a passo pelas forças públicas, pois elas não possuem os instrumentos de coordenação, disciplina e gestão que as forças públicas detêm. Mas a força civil no início salva. A força civil é fundamental na solução e pode salvar mais do que podemos imaginar. Porém, a força civil, com seu idealismo e dinâmica, não tem a organização das forças públicas, daí a alta relevância das lideranças civis se coordenarem com as públicas.

No caso de inundação, como está acontecendo no Rio Grande do Sul, a emergência começa a passar para a urgência quando as águas retornarem a seus leitos. Para a urgência ser efetiva, a convocação das necessidades instrumentais precisa ser feita na fase da emergência, pois os instrumentos necessários podem demorar muitos dias – senão semanas – até estarem nas localidades das necessidades. As urgências realocam as pessoas dos abrigos provisórios para as suas regiões de origem quando possível. As áreas mais afetadas terão o período de urgência mais longo.

A passagem da urgência para a prioridade é uma fase muito relevante, uma oportunidade de estabelecer com a gestão local uma “visão do novo” em vez de apenas reconstruir o que havia. A “síndrome da reconstrução” é o mindset do restabelecer o que havia e não montar algo muito melhor. Pois, para evitar um desastre igual, são necessárias outras medidas menores ou maiores, não apenas a reconstrução do que havia. E o “prático da crise” seguirá no gabinete da crise como um dos pivôs do novo melhor e para a criação de procedimentos preventivos.

Este é o ideal. Mas o que aprendi e percebi quando acontecem as grandes catástrofes?

  • Que as lideranças desconhecem as fases da gestão de crises;
  • Que as instituições de Estado não possuem regramentos para emergência nem urgência. Ou se os possuem não os colocam em prática;
  • Que os envolvidos não sabem como será a governança da crise e a tomada de decisões do gestor e seus pares superiores ou colaterais ou internacionais;
  • Que os envolvidos não têm ideia da força das organizações civis nem como ordenar a sua tração;
  • Subestimam desde o início a importância do “prático da crise” e quem sabe fazer melhor por conhecer a área e as pessoas;
  • Na exaustão, a síndrome do “quem manda aqui sou eu” faz com que erros de decisões se tornem fatais;
  • Que a “síndrome da soberania” mal-entendida leva falsos líderes a medir forças ao invés de somar competências e a uma prepotência não intencional pelo cargo que exerce e não pela função a ser desempenhada;
  • A comunicação precisa estar atrelada à fase específica e à necessidade daquela situação. Na emergência, não é hora de tratar publicamente de temas que se referem a prioridades;
  • O apoio psicológico é subestimado em todas as fases. O medo, desespero e a falta de esperança são elementos que precisam ser atendidos em tempo;
  • O gestor da crise ao mesmo tempo que deve inspirar a confiança que ele está no comando e sabe o que está acontecendo precisa inspirar para a próxima etapa. Algumas visões precisam ser comunicadas para que a esperança não esmoreça.

Vidas são valiosas demais para serem objetos de inexperiência, vaidade, poder e ambição. Somar o que temos de melhor com quem sabe muito mais é o atributo sábio que nos deve nortear o tempo todo nesta liderança compartilhada.

Copyright © 2024 Ingo Ploger

https://valor.globo.com/opiniao/coluna/governanca-de-crise-e-para-profissionais.ghtml

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