Como construir um legado familiar ao longo de 5 gerações?

“O Amor sempre vence, derrota o Ódio e a desavença, alimentar o Amor é a nossa salvação.”

Ingo Plöger é brasileiro de descendência alemã na terceira geração no Brasil. Estudou na escola alemã de São Paulo Porto Seguro e foi para a Alemanha onde se formou em Engenharia além de pós-graduação em Ciências Econômicas e Ergonomia.

Mesmo como herdeiro e sucessor de uma das grandes e tradicionais editoras, que ocupa também papel importante no reflorestamento, e indústria de papel, Ingo iniciou sua carreira profissional numa das principais consultorias internacionais (15 anos).

Desde jovem participou em vários Conselhos de Administração. Na fase seguinte, mas já com 44 anos, atuou durante 10 anos como CEO da empresa familiar com capital aberto. Aplicando sua filosofia de responsabilidade cívica, atendeu ao convite do Governo para, juntamente com o Ministro Furlan, usar seu conhecimento e contatos para a atração de investimentos estrangeiros para o Brasil. Após 3 anos voltou à iniciativa privada para abrir seu próprio negócio e retomar posições em diversos conselhos de empresas brasileiras e multinacionais (Volkswagen, Bosch, Embraer, Sonda, FEI, World Trade Center e muitas outras) além de ocupar presidências nas Câmeras de Comércio Alemãs no Brasil e na América Latina.

Seguindo a tradição das importantes famílias europeias, Ingo dedica parte considerável do seu tempo para estimular processos de inovação em associações, escolas e Startups, sempre provendo uma maior integração de empresas nos vários países da América Latina. Através da participação em conferências e debates, publicação de artigos e mentorias contribui para a construção de um Brasil mais eficiente e socialmente justo. Reflete e comunica sobre tendências do futuro num mundo em transformação, recarrega suas energias na convivência com a família (dez netos) e como admirador de música. Sempre bem-humorado, torce para o Santos FC.

Esta entrevista pavimenta o caminho entre o ‘Caderno do Agro’ e um novo caderno da Revista Perfil que focará na construção de ‘Carreiras’.

Com sua vasta experiência de consultor internacional, conselheiro de diversas empresas e entidades, CEO de uma importante indústria familiar ligada à celulose e papel, bem como mentor de lideranças: Quais considera as principais oportunidades e desafios para orientar pais e filhos sobre as perspectivas do futuro? O maior atributo dos pais, é estimular os sonhos dos filhos e lhes dar a coragem para alcançá-los. Neste caminho, aprofundar valores pelos quais vale a pena viver, fortalecer a visão do propósito de contribuir para um futuro melhor, é a missão. Essa imaginação cresce muito na criança, e as vezes nós adultos, até nos assustamos com o que buscam.

Boas perguntas direcionam o pensar e ajudam no discernimento. Quando o jovem tem ideais ele segue muito forte neste propósito e vai amadurecendo e conjugando o possível na sua vida. Os pais no início são os mentores mais importantes, depois o jovem vai escolhendo outras referências. Aí o cuidado dos pais está em orientar nas escolhas. Esta referência não depende do nível de educação dos pais, mas da índole e da sabedoria de vida deles, que por mais simples que sejam sabem o que pode ser o certo e o errado. A grande diferença está no estímulo à imaginação e na busca do melhor. O nosso Brasil precisa ser bem-amado, por onde começa este sonho, e a convivência humana de respeito e humildade para ser um construtor de futuro.

Quando olha para seus dez netos como avalia o impacto relativo (1) do DNA, (2) da educação familiar, (3) da formação escolar e (4) da experiência ao longo da vida na construção da personalidade de um líder? Existem padrões, ou ‘cada caso é um caso’?

Penso que todo o ser humano é constituído de dois grandes fundamentos que Deus da a cada um.

O destino e o livre arbítrio. O destino é Ele que nos oferece, em que família nascemos, em que comunidade, região ou pais crescemos, enquanto o livre arbítrio é como respondemos aos desafios que nos são colocados. Já com certa maturidade somos resultantes de respostas que damos aos desafios da vida.

Na maioria das vezes temos a sorte de podermos nos capacitar para discernir. As nossas escolhas pequenas e grandes forjam o nosso caráter e nos colocam no espaço e tempo. A boa notícia é que nunca seremos provados além de nossas forças, e, portanto, o preparo é nosso, o desafio virá no tamanho das nossas capacitações. Então lideramos o que almejamos, para conseguir e transformar. Se o objetivo for para si próprio, as respostas certamente serão medíocres, se o objetivo for para um Bem Maior, então as respostas serão transformadoras.

Nem todas dão certo, nem todas estão no tempo certo, mas a felicidade se faz na jornada. Um líder transformador é como um diamante, que quanto mais for lapidado maior será seu brilho. Um resultado excepcional geralmente custa muitas dores. Lembro-me de uma entrevista de um nadador excepcional americano Phelps que ganhou 7 medalhas de ouro nas Olimpíadas, e ao ser questionado como conseguira, responde, que era preciso passar pelo limite da dor. Então ele conseguia nadar melhor e mais rápido, superando a dor nesta passagem dos limites. Se olharmos os grandes líderes, referencias para muitos de nós, passaram por isto, assumem sacrifícios grandes.

Uma mãe de 6 filhas, das quais uma é conhecida mundialmente, confessou que ela já tinha uma noção bem clara sobre o perfil de cada uma quando elas chegaram à idade escolar. Consegue confirmar isso fazendo esse exercício com seus netos?

Tenho para mim que a mãe sempre tem uma ligação muito especial com seus filhos, bem diferente da do pai. Essa interação já começa desde o momento da gestação e só termina no final da vida. Na minha família vivenciei que mãe em casos extremos tem premonições em relação a seus filhos, algo como sobrenatural. Cada ser humano tem uma personalidade própria e é única, assim filhos podem ter características muito diferentes, mesmo nascendo e se criando no mesmo seio familiar. Muitas das características afloram na tenra idade, mas o caráter vai se formando com a vida então dependendo da índole de cada um e de seu destino muito pode ser mudado.

Porém características fundamentais já se mostram quando pequenos, mas todo cuidado é pouco para não já “carimbar” a criança, que aí sim pode lhe causar mais danos que oportunidades. Se os filhos já são uma grande benção, os netos então são presentes cotidianos, e que nós da geração mais experiente podemos alcançá-los pela curiosidade, novidade, mas principalmente pelo bom humor. Em sua biografia consta que está na 3ª geração de uma família empresarial alemã no Brasil. Olhando para os netos, eles já representam a 5ª geração. Como se conduz o processo para manter vivo e adaptar o legado dos fundadores ao longo de tanto tempo?

É uma transformação profunda entre os primeiros pioneiros e os acionistas controladores de hoje e de amanhã. O pioneiro, lança a ideia e visão e coloca a mão no arado para semear e cuidar. Já na 3 e próximas gerações, a governança é fundamental para manter vivo o legado. Ser um acionista de excelência, significa escolher bem seus representantes no Conselho. Aqui a transformação se deu ao buscarmos o mesmo número de Conselheiros independentes que Conselheiros acionistas, dando aos independentes os cargos direcionais.

Os conselheiros acionistas, precisam estar muito bem-preparados não só tecnicamente, mas serem os portadores das visões e dos valores. O Conselho sim escolhe para sua gestão lideranças não familiares para dirigir a organização. Portanto quando sempre olhamos no desenvolvimento dos profissionais, uma empresa centenária também olha o desenvolvimento dos jovens acionistas e os potenciais para os preparar para serem acionistas de excelência. E em uma família que cresce, isto sem dúvida é um processo de alta importância e difícil. Uma empresa centenária, precisa cuidar de suas raízes, de seu presente e sonhar com seu futuro. É nas boas sementes que se cultiva a longevidade.

“Uma empresa centenária, precisa cuidar de suas raízes, de seu presente e sonhar com seu futuro. É nas boas sementes que se cultiva a longevidade.”

O livro ‘Pai rico, Pai pobre’ ensina caminhos fáceis para acumular riqueza. No entanto, na maioria das famílias o património está sendo construído ao longo de várias gerações. Com sua tradição europeia, que pensa mais na preservação e talvez menos na ampliação forçada da riqueza, como consegue transmitir essa filosofia da chamada ‘riqueza responsável’ para seus filhos e netos neste mundo cada vez mais incerto?

Os fundadores vieram de famílias hanseáticas e prussianas, onde o trabalho digno, a austeridade e o cuidar bem do outro são valores culturais. Os fundadores criaram e sustentaram ao seu redor instituições com objetivos sociais. As casas no centro das vilas operarias eram as escolas e a igreja, e já na época se buscava a conciliação ecumênica das confissões. Tolerância, educação, saúde e bem-estar eram foco para os colaboradores. Para animar ainda constituíram, clubes esportivos, bandas de música entre outras. Sempre se investia antes na empresa para só depois remunerar o acionista.

Meus avos eram mecenas, ajudavam a artistas, músicos, pesquisadores em suas casas e cuidavam uns dos outros. Meu avô não deixou desde a formação da empresa, cortarem florestas nativas, pelo contrário, manteve e expandiu o que tinha. Colhia mundo afora sementes exóticas para plantá-las em Caieiras e em Minas. Até hoje temos no Bioparque exemplares centenárias de arvores vindo de todos os continentes. Na Editora, se lançavam livros sobre a natureza, cultura indígena e europeia, brasileira e de outras civilizações. Quem aprende a admirar a cultura do outro, converge mais e tem menos propensão ao litígio dizia meu avô. Portanto esta raíz muito forte de buscar na cultura, educação, respeito e o bem fazer – sua razão de ser, se torna um propósito forte. O lema da Melhoramentos “fazer crescer para melhorar o amanhã” da a diretriz por onde precisamos seguir. O contrato de gerações não se faz somente no Estado, mas inicia-se na família, o berço de nossa civilização.

Ao contrário dessa aceleração do tempo, as negociações entre os blocos do Mercosul e da União Europeia andam com velocidade de tartaruga. Como participante deste processo, como enxerga os prováveis resultados e os prazos?

Talvez por estas origens acima descritas, me envolvi profundamente nas minhas diversas responsabilidades de liderança na busca do Acordo Mercosul e União Europeia. Para mim o melhor modelo de integração política e social na história da humanidade foi o da União Europeia, conquistado sem guerras, sem hegemonias, baseado na democracia e participação. Por isso foi lento, mas sólido. Almejo algo similar para a nossa América Latina. Uma América sem fronteiras, principalmente sem as fronteiras mentais. Aprendi pela paciência em lutar pelos resultados. Talvez um dia ainda veja isto acontecer, mas não vou deixar de contar a quem quiser ouvir, o que significa a vida em paz, liberdade e bem-estar. Não deixar ninguém para trás, abrir e rasgar as cortinas da oportunidade para que possamos dar chances a todos de maneira igual. Esta visão está mais perto do que muitos imaginam, pois se nossos povos na grande maioria são democráticos, já tem em sua escala de valores tudo o que um DAO ( decentralizedautonomyorganization) precisa para dar certo. Esta será uma revolução democrática que já se iniciou e nós latino americanos ainda jovens vamos usá-la em nossos processos transformadores.

Muitos jovens com excelente formação em disciplinas técnicas deixam o País para realizar seus sonhos e ganhar melhor no exterior. Como isto combina com a percepção de Stefan Zweig de que seria exatamente o Brasil o país com maior potencial de crescimento em todos os setores? Como reter esses talentos?

“O país do futuro” de Stefan Zweig já é realidade. O Brasil já se tornou uma potência alimentar, energética e ambiental. Não é só por nossos erros que chegamos à 10 potência econômica no mundo. A identidade brasileira nestes 200 anos de independência se mostra cada dia mais “unidos na diversidade”. Esta é a nossa força a união na diversidade, e ao mesmo tempo a nossa fragilidade. Somos facilmente divididos, pois somos extremamente diversos, mas por outro lado somos exatamente nesta diversidade, criativos e flexíveis, amigos e abertos e não deixamos esta nossa característica em sua contradição, ser destruída.

É um paradoxo, mas é ele que da ordem nesta bagunça generalizada. Ao final tudo dá certo, e se não der é porque ainda não chegou ao final dizia nosso poeta Fernando Pessoa. A nossa juventude, precisamos oferecer sonhos e visões e não só problemas e desgraças. Esta é a verdadeira missão de liderança. Mas quando vejo não só meus netos, mas os jovens que integram as nossas empresas, os SENAIs e as escolas, as universidades, os debates, as questões que motivam essa rapaziada, é neles que deposito minha esperança. Pois questionam o cerne, não querem respostas fúteis, nós os mais experientes é que precisamos falar e mostrar mais o nosso Brasil, rico em pessoas de bem, de excelentes soluções, de inovações incríveis, tecnologias sociais garimpadas por segmentos de pobreza, e o nosso entusiasmo pelo outro. O Amor sempre vence, derrota o Ódio e a desavença. Alimentar o Amor é a nossa salvação.

“Um líder transformador é como um diamante, que quanto mais for lapidado maior será seu brilho.”

Como consultor internacional, executivo, conselheiro de empresas e entidades multilaterais, além da sua experiência no governo, o Senhor conheceu milhares de profissionais e líderes em muitos países. Qual é sua prática para avaliar as pessoas que lhe são apresentadas, tanto para realizar conversas confidenciais, como para delegar tarefas importantes?

Sempre dou a quem encontrar, o crédito da confiança, e da oportunidade, até ser decepcionado. Nesta jornada quando você oferece muito, a qualidade da resposta é o critério. A quem muito é dado, muito será exigido. A maneira dos retornos são sinais importantes, podem ser de humildade, de prepotência, de simplicidade, de erudição, de conhecimento ou de sabedoria. A pessoa mais simples, pode ser muito mais sabia do que um erudito. Para isso, cada dia preciso descer de meu pedestal intelectual do “já sei” para me abrir ao novo. Hoje tento ser muito mais “mentor” do que conselheiro.

Mentor foi o melhor amigo de Ulisses, que entregou a ele Mentor, o seu filho para ser educado a ser um bom rei, quando Ulisses foi à Guerra de Troia. O que um melhor amigo faz, para transformar alguém em um bom rei? O que podemos fazer para transformar alguém em ser um bom cidadão, líder ou boa pessoa? A relação de mentor para o mentoreado só se dá em uma base de confiança.

Em seus artigos e palestras costuma desenvolver a questão: “O que é ser um bom Brasileiro hoje”. Pode compartilhar sua visão?

A questão de fundo, é para se ter um Bom Brasil, é preciso ter Bons Brasileiros. E daí nasce a pergunta, “O que é ser um Bom Brasileiro hoje?” . Esta pergunta faço com grande frequência em roda de amigos, e me surpreendo quão diferente são as respostas. Faça um teste em uma roda de amigos, e veja o que responderão…

Para mim a resposta é: um Bom Brasileiro é aquele que ama o Brasil, se interessa pela sua origem, história, cultura, música comida, esporte, é aquele que no presente busca as melhores coisas ao seu redor para falar delas e as promover e é aquele que sonha de voz alta de seu Brasil lá na frente ser muito melhor e buscar as grandes visões para falar delas principalmente aos mais jovens.

Mas a esta primeira pergunta, segue uma segunda, “me cite 10 Bons Brasileiros, que sejam sua referência”. E em muitos casos, você perceberá que na sua espontaneidade da resposta, faltam as referencias do passado, presente e futuro. De P. Anchieta, Jose Bonifácio, Rui Barbosa, para Santos Dumont, Villa Lobos, Mario de Andrade, a Osiris Silva, Zilda Arns, Almir Sater, Pelé, Airton Senna, FHC entre muitos outros, entendemos como cultivamos pouco nossos grandes brasileiros.
Ao falarmos deles, e mostrarmos que são tão falíveis e humanos como qualquer outro, mas tiveram sonhos e atitudes que fizeram uma diferença, nos encoraja que cada um de nós poderá fazer algo nesta direção.
A transformação do nosso Bom Brasil começa em nós mesmos!

Por Francisco Vila

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