A economia social de mercado

“Empoderar o cidadão para que ele possa tomar as decisões sobre as escolhas nos sistemas de saúde, educação, mobilidade e emprego é a revolução silenciosa que está em marcha”

Ingo Plöger.
Empresário, conselheiro presidente do Conselho Empresarial da América Latina – CEAL.

Até onde o mercado poderá ir sem se tornar selvagem? Ou, fazendo a pergunta inversa, até onde a proteção social pode ir sem impedir a eficácia da economia de mercado? Qual o equilíbrio que precisamos entre proteção social e economia aberta que visa a competitividade global?

Quando Ludwig Erhard, economista e chanceler alemão, pregou o conceito de Economia Social de Mercado, a ideia central era que a oferta e a procura teriam um limite máximo ou mínimo de execução se alcançasse um nível socialmente não compatível. Um exemplo é o salário-mínimo, que representa um pacto mínimo entre as partes que estão na oferta e na procura de empregos. Se não houvesse um piso, em momentos de recessão, os pagamentos poderiam chegar a patamares inaceitáveis do ponto de vista de sobrevivência mínima. Outro exemplo acontece na escassez de crédito, quando economias estabelecem um teto de juros máximos, protegendo o cidadão de práticas de usura. Com a evolução democrática, as sociedades contemporâneas aperfeiçoaram estes mecanismos, de modo que os “pactos sociais” que dali resultaram fizeram com que a rede social para o cidadão ficasse mais ou menos segura.

Para o primeiro emprego, para o emprego de baixa renda, para atividades mais simples, o mais fácil com menos burocracia e encargos, melhor será a justiça social. Primeiro é preciso eliminar o desemprego da juventude

No caso europeu, a extremo a Suécia, a malha da rede social ficou de tal ordem densa, que a consequência foi que o nível de impostos e de segurança social tornaram a economia pouco flexível e cada vez menos competitiva. Empresas migraram a outras localidades menos “sociais” para ocuparem seus lugares na competição global. Já nos EUA, o critério é minimalista, e o princípio do social é aplicado em casos extremos, deixando o mercado operar no máximo de sua competição possível.

Após a queda do muro de Berlim, a economia de mercado avançou a passos largos mundo afora, em especial na e pela globalização, resultando em maior atração de investimentos nos lugares mais competitivos e abertos ao capitalismo. Neste contexto, não é de se espantar que, nos últimos 20 anos, a concentração de capital tenha aumentado no mundo e a distribuição de riqueza diminuído, incrementando as desigualdades. A pandemia acelerou este processo. Para minimizar os efeitos, os Estados lançaram mão de programas sociais para atender os segmentos mais fragilizados. Ainda assim, a pobreza absoluta aumentou e a concentração de riqueza também. Voltando aos poucos ao “novo normal” e reconhecendo os novos vetores geopolíticos, e as preferências pela segurança e proximidade, as sociedades democráticas que adotam os princípios de uma economia de mercado precisam achar respostas menos instantâneas e mais longevas. Porém, a política impulsionada pela população se precipita em achar mais rápido possível soluções que amenizem os impactos.

Aqueles que estão no lado mais liberal, deixando o mercado resolver o que pode e interferindo onde é absolutamente necessário, estão perdendo as eleições, enquanto aqueles que apregoam intervenções mais diretas e incisivas ganham o poder – ainda mais quando as soluções são populistas e de fácil entendimento. Na nossa América Latina, percebemos esta guinada de maneira convincente. A questão subsequente é qual a dose correta do remédio a ser dado via medidas sociais para que estas não comprometam o futuro das nações. É neste ponto fulcral que encontramos o Brasil nos seus primeiros 100 dias de seu novo governo e de seu novo parlamento.

O primeiro entendimento é reconhecer os grupos de maior fragilidade e os grupos que podem ser mais exigidos para fortalecer a economia através do mercado. A cilada do dogmático é de que ele enxerga um contingente muito maior do que o real, para contrapor seu antecessor, e necessariamente acredita em soluções mais abrangentes do que necessárias. E, além disto, não acredita na força da economia de mercado, quando esta for impulsionada. Já o pragmático foca na mínima necessidade urgente e na máxima potencialidade sustentável. Para colocar em números, quando se fala da fome no Brasil, o número não deve passar de 3 a 4 milhões, o que já é muito! Quando se fala em 30 milhões ou até 120 milhões, e se confunde os grupos de risco alimentar, o que não é igual à fome, então as soluções são de outra magnitude.

Políticas públicas que estão focadas em eliminar a fome são as de renda mínima, o que o Brasil já tem. O que falta são aqueles que não chegam à renda mínima e como introduzi-los no sistema de suporte. O mesmo se dá nos preços máximos de determinados produtos. Nenhum padeiro quebrou enquanto o pão francês e o litro de leite desnatado estavam tabelados, pois compensava em outros produtos. Assim, a Eletrobras , que quando encaminha a conta de energia para o cidadão tem uma faixa de consumo até 50 KW fortemente subvencionada e compensada por quem utiliza mais de 100 KW. A maioria dos países têm legislação ou jurisprudência de juros máximos, a partir deste ponto é considerado usura. No Brasil discutimos institucionalmente a Selic enquanto são cobrados ao usuário final juros considerados de usura em qualquer país civilizado.

No debate da Reforma Tributária, para a cesta básica de produtos de primeira necessidade querem criar um monstro compensatório que não tem chance de funcionar, em vez de isentar 40 produtos dos 9 mil que temos para o combate a miséria, sob a alegação que o rico também se beneficia disto. Ora, o rico proporcionalmente vai pagar mais imposto sobre os outros produtos que estão na sua cesta. A economia social de mercado contemporânea precisa visualizar o consumo dos mais necessitados aos mais ricos, sendo a escala de facilitação inversamente proporcional na cesta de consumo.

Por outro lado, na contemplação do gerador de riqueza, que é o empregador, é preciso estimular a geração de empregos, lembrando que mais de ¾ dos empregos são gerados pelas pequenas e médias empresas. Facilitação e simplificação de negócios é o tema. Quanto menor a alíquota e mais simples a sua arrecadação para esta categoria, menor será a sonegação. Para o primeiro emprego, para o emprego de baixa renda, para atividades mais simples, o mais fácil com menos burocracia e encargos, melhor será a justiça social. Quando crescer no seu desempenho e na sua carreira, pode sim ser mais complexo, mas, primeiro é preciso eliminar o desemprego da juventude. Facilitar estágios, aprendizes, trabalhos parciais ao lado de estudos, ou até estudos remunerados, são eficazes economicamente e poderosos socialmente.

A visão da economia social de mercado mudou radicalmente nos últimos anos com as tecnologias sociais nas mãos do cidadão. Empoderar o cidadão para que ele possa tomar as decisões sobre as escolhas nos sistemas de saúde, educação, mobilidade e emprego é a revolução silenciosa que está em marcha. Quem entender isso pode colocar a sua população em um novo ciclo virtuoso, protagonista de suas escolhas. Estaremos protegendo os mais fracos e empoderando os capazes, dando-lhes a chance de uma vida digna.

Copyright © 2023 Ingo Ploger

https://valor.globo.com/opiniao/coluna/a-economia-social-de-mercado.ghtml

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